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A poesia é liberta, não tem senhores; é sozinha, ao mesmo tempo multidão. Seu canal é o poeta, por onde passa, arrastando veias, fígado, mãos, olhos, coração.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ATUAL MUNDO ESTRANHO



Uma tortura. Embora a manhã fosse de uma segunda feira tranqüila, entrar naquele alternativo foi um sufoco. E foi um sufoco por eu ter chegado ali com a áurea envolvida pela chama violeta. Não que eu estivesse tão purificado, mas pelo fato de ter acabado de ouvir as orações cabalísticas pronunciadas por um amigo enigmático e cheio de palavras vibratórias, após uma noite de ausência nos braços de quem tranqüiliza minha alma.

Envolvido naquele sentimento cósmico, o celular ainda em silêncio, ergui minhas mãos e iniciei os meu pedidos do dia, antes mesmo dos agradecimentos. Que Deus nos proteja, que o universo conspire ao nosso favor, que tenhamos saúde, que tenhamos harmonia, que afaste do nosso círculo todo e qualquer mal. Enfim, que Deus transforme o pequeno paraíso pessoal em um paraíso universal. Só então, depois, os agradecimentos. Por que pedimos tanto?

Estava assim, completamente Carlos Zens, quando o cobrador gritou:

- Direto pela Airton Sena. Aceita vale e ticket estudante. Passa pela Romualdo Galvão, Afonso Pena, Deodoro e volta pelo Alecrim. Vamos senhor, tem vaga sentado.

Pensei estar com sorte. Não demorei um minuto na parada.

Sentei-me do lado da sombra, abri a janela, enquanto que as cadeiras iam sendo ocupadas por senhores e senhoras moradores do mesmo condomínio. Uma lotação completa. Depois foram empilhando pessoas, comprimindo o espaço.

Abri, então, Caio Fernando Abreu, no intuito de fazer movimentar meu cérebro ainda lento. Eu também queria saber onde andava Dulce Veiga. Foi aí, exatamente na “esquina em frente ao parque, no meio da ventania, embaixo da quaresmeira coberta de flores roxas” que iniciou o suplicio. Lembrei imediatamente do meu amigo Veni, que numa das manhãs vermelhas de sua jornada foi a uma floricultura e comprou um ramalhete de rosas roxas do mais vagabundo plástico e foi pessoalmente, vestido no seu melhor paletó clássico, entregá-lo a uma funcionária qualquer de uma repartição idem, em agradecimento por indelicado gesto por ela desencadeado. Achei precioso aquele enigma por ele lançado, o que me pareceu ser o antídoto secreto contra a pequena serpente burocrática. Naquela fração de segundo, compreendi aquele gesto frio e cirúrgico.

Dulce Veiga não apareceu. No lugar dela surgiu em alto e péssimo som uma seleção musical que faria qualquer compositor da Música Popular Brasileira entrar em pânico. Djavan não estava ali para me salvar. Naquele momento gostaria muito de ter em mãos um cd de Geraldinho Carvalho, Pedro Mendes, Rodolfo Amaral, Romildo Soares ou da minha deusa Valéria Oliveira. Mas eu estava desprevenido.

Fui obrigado a ouvir “rachadas” submetidas a lapadas; “bofes” cantando Chico Rola; “cafussus” tomando cachaça, seduzindo mulheres e tomando “gaias”, além de uma série de personagens que eu conheci no meu tempo de adolescente, quando ainda haviam cabarés e inocentes mulheres da vida. É que as músicas do caberá de Chico tinham mais requinte, falavam de amores bem ou mal sucedidos, de paixões desenfreadas, sem que as vaginas, peitos e bundas ficassem expostas na avenida, tal qual me parece agora. O jovem desinformado está embriagado de sedução. E vejam, vejam bem: o forró do risca faca jamais alcançará o forró da coréia. Senti falta de Elino Julião.

Estava prestes a descer “a madeira” quando tudo se contorceu e da janela percebi que havia um nó no trânsito. Motos entrecortavam meus pensamentos.

- Baixe esse som, filho da puta.

A viagem foi longa, mas reflexiva. Desci do alternativo irradiado. O dia todo pensei no meu sobrinho, tão mal educado por esse atual mundo estranho.

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