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A poesia é liberta, não tem senhores; é sozinha, ao mesmo tempo multidão. Seu canal é o poeta, por onde passa, arrastando veias, fígado, mãos, olhos, coração.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

OS MONSTROS: POR CLÁUDIA MAGALHÃES

Depois de quarenta anos sonhando acordada com um mundo que não fosse manipulado pelas emoções, onde não existissem sentimentos de horror, nem de piedade, esse monstro de riso abafado, grosseiro, preso na garganta por um bolor de futilidade, aprendi a enfrentar minhas emoções. Hoje, sou eu quem me persigo. Às vezes, tiro-as do comando, me enxergo, descubro a inteligência e colho flores; Em outras, deixo-me guiar até meu centro escuro, sem limite de espaço e de tempo, perco a chave, fujo de mim mesma, sangro. Ingerindo razão e emoção no mesmo prato, decido qual dos dois será o excremento. Não sei em qual desses opostos me ofereço amor, pensou observando o filho cair em sono profundo no seu colo, causado pelo efeito dos sedativos.



Sim, essa massa branca, disforme, que há quarenta anos rasteja pela casa soltando grunhidos, é o meu filho! Como eu o amo!, constatou com tristeza, acariciando o fruto de um amor que teve aos trinta e cinco anos e que desapareceu logo após o parto, deixando como única prova de sua existência os míseros depósitos feitos, todos os meses, em sua conta. Não sabia o real motivo daquele gesto, talvez ele estivesse envenenado de piedade, ou quem sabe, guiado pelo medo de se perder da estrada que acredita um dia levá-lo ao Paraíso. Desde então, ela passou a dedicar-se religiosamente a seu filho e a protegê-lo de um mundo de olhos amedrontados, de nojo, de conversas rasteiras e tolas, de orações sem fé perdidas ao vento. Bom dia, Senhora! Como vai o seu filho?, lembrou da pergunta da vizinha que encontrara, pela manhã, no mercado da esquina. Como Deus quer!, respondeu secamente. Todos os dias, eu oro por ele e por meu filho, que, agora, passou a andar com gente da pior espécie!… Cada um com a sua dor!, concluiu com um olhar de mártir. Mal sabe essa mãe o quanto eu gostaria de chamar meu filho de ladrão, de mentiroso, de homicida. De vê-lo chegar tarde da noite com cheiro de vida, sangue, lágrimas, suor, saliva, com sede de rua. De quantas vezes desejei amar novamente, mas não poderia suportar ver no ser amado, desejado, a expressão miserável de escarro, o vômito reprimido, uma compaixão monstruosa que só serviria para aumentar a vaidade de Deus, pensou com amargura. Lembrou, então, de todas as noites, durante quatro décadas, em que colocou aquela cabeça disforme em seu colo e lhe falou da existência de monstros, de todas as espécies e de todas as cores, que, até hoje, evitam a sua calçada com medo da casa, que para eles é mal-assombrada, pois nela mora um anjo. Essa noite, doente e cansada, ela começa a falar sem conter as lágrimas:

- Um lindo anjo, com pernas de fogo, que desceu a terra escorregando pelo arco-íris, sentado sobre uma nuvem e vestido de Sol. E quando observava o meu semblante triste e cansado, deitava a cabeça em meu colo e, sem mover os lábios, aliviava meu pranto, dizendo-me que por trás desse mundo de sombras, a esperança é preservada. Não é sem razão que o amo! Hoje, meu anjo, nós vamos para o mundo dos sonhos, onde habitam seres encantados, iguais a você! Eles possuem um coração puro, não conhecem orações e nem pedidos. Não se importam com as aparências, vivem do simples e podem rir até mesmo de seus pequenos hábitos. Brincam de se reunir em volta de uma grande fogueira, onde contam histórias que nos enriquecem a sabedoria.

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