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A poesia é liberta, não tem senhores; é sozinha, ao mesmo tempo multidão. Seu canal é o poeta, por onde passa, arrastando veias, fígado, mãos, olhos, coração.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O DEUS E O DIABO DE CLÁUDIA MAGALHÃES


"Quero deixar bem claro que não estou aqui em busca de compaixão. A minha única intenção é a de compartilhar a minha história com o maior número possível de pessoas, já que, a qualquer momento a vida poderá me cuspir, e sempre que falo sobre o assunto em questão, sinto um grande alívio na alma.
Alguns de vocês podem ficar horrorizados; outros, talvez, admitam para si, que já cometeram algo do gênero em pensamento; e um ou outro, o tenha realizado com a mesma intensidade e o ache bastante natural.
Eu me chamo Carlos. Sempre fui amável, bem-humorado e comunicativo. Uma excelente companhia na roda de amigos. Tive inúmeras namoradas e com todas o relacionamento foi bastante equilibrado. Até que conheci, aos 35 anos, Helena. Aos 34 anos, ela era bela, inteligente e tinha um humor como poucos. Fui tomado por um sentimento monstruoso, forte, que me deixava insuportavelmente feliz. Não demorou para nos casarmos. No início, tudo tranqüilo, mas com o passar dos meses fui ficando cada vez mais inseguro, com fortes crises de ciúmes. Passei a beber compulsivamente. Sentia um ciúme especial por Marcos, um amigo em comum, e que sempre estava presente na roda de amigos. Ele era um empresário bem sucedido, metido a galã, boa conversa. Todas as pessoas o admiravam, inclusive Helena. No bar, ele fazia questão de sentar ao lado dela. Como isso me irritava! E os olhares? Ah… Os olhares que eles trocavam cúmplices, cheios de desejo. O ódio que passei a sentir por ele, é difícil de descrever. Quando nos encontrávamos o meu corpo era tomado por um pavor que me causava espanto. Tentei, juro que tentei, reverter essa situação, me aproximando mais dele. Mas quanto mais agradável e amigo ele era, mais ameaçador ele se tornava para mim. Entrei no inferno. Pensava, em Carlos e Helena se amando, o dia inteiro. Até que, numa terça-feira, não suportando mais essa situação, saí mais cedo do trabalho. Fui direto para o bar. Para minha surpresa, lá estava ele, o meu rival, sozinho numa mesa lendo o jornal do dia. Maldito! O meu corpo todo tremeu, Não sabia se estava com boa ou má sorte. Demônio! Entrou em minha vida pra tentar destruir o meu amor e estava lá, tranqüilo, sereno. Ele sorriu na minha direção. Um sorriso largo, amigo. Canalha! Ele nunca pareceu tão demoníaco quanto nesse momento. Não havia mais ninguém conhecido no bar. Era a minha grande oportunidade. Desliguei o telefone e fui em sua direção. Nunca fui tão agradável, tão simpático como naquele dia. Conversamos sobre futebol, livros, filmes… Enquanto isso, um filme, em especial, ia passando na minha cabeça, onde ele e Helena eram os protagonistas… Filho do cão! Fingindo ser meu amigo com um único objetivo: seduzir Helena, a minha doce Helena! Entrei no jogo pra vencer. Ele só sai daqui embriagado, pensei. Dito e feito. Paguei a conta. Disfarçadamente, peguei uma das facas que serviu para cortar o tira gosto e coloquei dentro do meu casaco. Era pequena, porém pontuda e muito afiada. Serviria para o meu intento. Saímos do bar abraçados. Vou levar você em casa e de lá eu pego um táxi.Onde está o seu carro?, perguntei. Está na rua ao lado, respondeu, me entregando a chave. Era uma rua perfeita, deserta. Entramos no carro. Fechei a porta. Carlos, embriagado, logo adormeceu no banco do passageiro com a cabeça encostada no vidro, deixando o lado esquerdo do pescoço completamente exposto. Me senti Deus naquele momento, ou o Diabo, se preferirem. Qual é mesmo a diferença de um para o outro? Não importa. Eu transpirava muito. Pensei em Helena, meu grande amor… Ela era inocente, eu conhecia bem o seu caráter, era somente uma vítima daquele canalha! Estava decidido. Peguei a faca e mirei na jugular. Quando desferi o golpe ele se mexeu, acertando no seu ombro. Ele acordou assustado. Olhou pra mim com aqueles malditos olhos do inferno. O meu sangue fervia. Estava possesso e deixei os meus instintos me guiarem. Desferi vários golpes, na barriga, no rosto, na perna… Eu sentia prazer enquanto ele gemia de dor. Sinto-me constrangido ao dizer isso, mas não é esse alternar de estado de espírito dos homens, onde uns tem que chorar para que outros possam sorrir, que sustenta a vida? Sim, eu sentia um enorme prazer ao ver o seu espírito se contorcendo, lutando contra a morte. Até que, finalmente, puxei a cabeça dele para trás e desferi o golpe fatal. Pronto. Estava tudo acabado. Estou preso há dois anos. Fui condenado pelo assassinato de um homem que todos consideravam bom, um santo… Ele foi o culpado! Ele estava infernizando a minha vida! Eu não tinha saída. Se algum de nós é Deus ou o Diabo, pouco importa, os dois gostam muito de sangue…
Desde aquele dia, nunca mais vi Helena… A minha doce Helena… Matei um homem pensando em começar uma vida nova ao lado do meu grande amor. Mas, desde aquela noite, o Sol se recusa a nascer."

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